Luiz Carlos Bresser-Pereira
São Paulo: Editora 34, 1996.
Novos fatos exigem novas abordagens. A interpretação nacional-desenvolvimentista (ou centro-periferia), que Prebisch (1949) formulou em Santiago do Chile, enquanto era o diretor-executivo da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), foi o primeiro momento paradigmático de auto-interpretação do desenvolvimento da América Latina. Celso Furtado (1950) foi o pioneiro no Brasil desse tipo de visão sobre o desenvolvimento.
A nova teoria da dependência, cuja primeira análise mais abrangente foi realizada por Cardoso e Faletto (1969), foi o segundo momento paradigmático de interpretação da América Latina. Ela predominou durante os anos 70, após a crise econômica latino-americana dos anos 60. As duas abordagens estavam intimamente relacionadas. Elas perderam a capacidade de explicar o desenvolvimento latino-americano quando eclodiu a crise dos anos 80. A crítica neo-liberal surgiu e prosperou no vácuo deixado pela crise das duas interpretações anteriores. Mas, como toda interpretação ideológica, ela logo demonstrou ser dogmática e não-realista. Uma nova síntese está a caminho, à medida que a crise dos anos 80 vai sendo superada. Ela pode ser o terceiro momento paradigmático de interpretação do desenvolvimento latino-americano.(Quarta Capa)
Introdução. Em Busca de Uma Nova Interpretação
Parte 1. As Interpretações
1. As Interpretações e as Estratégias.
2. A Interpretação da Crise do Estado.
3. Os Ciclos do Estado.
Parte 2. A Crise Fiscal
4. Crise e Transformação.
5. A Macroeconomia Perversa.
6. A Crise da Dívida.
7. A Hiperinflação.
Parte 3. A Dimensão Política
8. Crise e Renovação da Esquerda.
9. Obstáculos Políticos à Reforma Econômica.
10. O Governo Collor: Crise Política Recorrente.
11. A Contradição da Cidadania.
Parte 4. As Reformas
12. Reformas Econômicas em Tempos Anormais.
13. Um Ataque Dramático à Inflação.
14. As Tentativas de Estabilização.
15. Reformas Bem-Sucedidas.
16. A Reforma da Administração Pública.
17. A Perspectiva Internacional.
18. Rumo a um Novo Pacto Político.
Notas
Referências
Índice Remissivo
APRESENTAÇÃO
Este livro foi originalmente pensado como uma coleção de ensaios, mas à medida em que preparava e revisava sua edição inglesa, fui fazendo tantas modificações e acrescentando tanto material novo, que afinal o resultado foi um livro que pretende ter começo, meio e fim. O livro, assim como a maioria dos ensaios, foi escrito em inglês, traduzido, e em seguida cuidadosamente revisado por mim. A única diferença substantiva entre o livro americano e este, porém, foi a adição do Capítulo 16 sobre a reforma da administração pública no Brasil.
Este livro está dividido em quatro partes. A Parte 1 trata das interpretações conflitantes sobre o Brasil e das respectivas estratégias de desenvolvimento. O Capítulo 2, onde a interpretação da crise é esboçada, é o capítulo central do livro. A interpretação da crise do Estado surgiu a partir de uma intuição prévia - que o Brasil e a América Latina enfrentavam uma crise fiscal que estava relacionada com a crise da dívida externa e com o populismo econômico. Mas ela baseava-se também em outra intuição. Eu observei que o papel do Estado estava mudando, e que esse fato estava relacionado com o &ldquocaráter cíclico e mutável da intervenção do Estado&rdquo. Esse foi o título de um paper que escrevi em 1988, cuja versão atualizada foi publicada em inglês em 1993. Esse processo cíclico explica como o Estado, que desempenhou um papel estratégico no processo de desenvolvimento entre os anos 30 e 70, foi atingido por uma crise profunda nos anos 80, e porque, depois disso, a disciplina fiscal, a privatização e a liberalização comercial tornaram-se imperiosos. Explica também porque a onda conservadora e neoliberal foi tão forte, e, afinal, tão equivocada na sua proposta do Estado mínimo. Explica finalmente porque o Estado Social do século XX vai se transformando já neste último quartil do século no Estado Social-Liberal. O Capítulo 3 resume os meus pontos de vista sobre o caráter cíclico da intervenção do Estado, aplicando-os ao Brasil. Esse é o modelo básico subjacente ao conceito e papel do Estado que eu adoto neste livro.
A Parte 2 examina a crise econômica dos anos 80: o processo histórico que levou à crise, a perversa macroeconomia da crise, a crise da dívida. A Parte 3 é dedicada à dimensão política da crise. Todos os capítulos deste livro possuem uma dimensão política além da econômica. Entretanto, os quatro capítulos desta parte são específicos. Nesses capítulos eu examino a crise e a renovação da esquerda os obstáculos políticos às reformas econômicas os aspectos contraditórios do curto, porém significativo, governo Collor e finalmente o fenômeno que eu denominei &ldquoa contradição da cidadania&rdquo: a existência de um grande número de cidadãos com direito a voto em uma sociedade radicalmente heterogênea, onde os governos enfrentam permanentemente uma crise de legitimidade, à medida em que o contrato social clássico não é suficiente para garanti-la, tornando-se necessária a formação adicional de pactos políticos orientados ao desenvolvimento. O Brasil é uma sociedade dual. A distribuição de renda é extremamente injusta. A distância entre as elites e as massas é enorme. Uma sociedade não é moderna apenas porque é orientada ao mercado, porque a alocação de recursos é eficiente e a mudança tecnológica é dinâmica. Precisa também ser razoavelmente homogênea. No Brasil, o distanciamento social é o principal obstáculo à sua modernização. Essa fratura torna extremamente difícil a formação de uma coalizão política democrática, capaz de consolidar a democracia, reduzir as desigualdades econômicas e promover o crescimento.
Finalmente, a Parte 4 é uma análise das reformas econômicas que estão sendo realizadas no Brasil desde 1987, após o colapso do Plano Cruzado, e foram aceleradas nos anos 90, no governo Collor, culminando com o Plano Real, que estabilizou os preços a partir de 1994. Logo, este livro é sobre crise, mas é também sobre mudanças e reformas. Mudanças e reformas importantes que estão ocorrendo no Brasil desde a eclosão da crise, no começo dos anos 80, mas que foram obscurecidas pela inflação elevada e inercial existente no Brasil. Nessa parte, eu discuto primeiro as tentativas de estabilização fracassadas, argumentando que a causa dos fracassos não foi só política. Além dos aspectos políticos, eu sustento que a incompetência dos formuladores de políticas econômicas, que não conseguiram compreender que o período anormal que o Brasil e a América Latina viviam, e, particularmente, a natureza inercial da inflação foram as principais causas dos fracassos. Como segundo tópico, eu discuto as reformas bem sucedidas. E eu concluo o livro com uma análise das mudanças sociais e políticas que conduzem na direção da formação de um novo pacto político orientado ao desenvolvimento.
Antes da conclusão, no Capítulo 15, eu discuto a estratégia internacional do Brasil. É claro para mim que a Iniciativa para as Américas (1991) e o NAFTA inauguraram uma nova fase nas relações entre os Estados Unidos e a América Latina. Por um lado, essas duas iniciativa são uma resposta à crise da América Latina, mas, por outro lado, são conseqüências do fim da hegemonia americana sobre a economia mundial. Nessa parte do livro, eu analiso a diferença entre o antigo nacionalismo, atado à estratégia de substituição de importações, e a nova política internacional baseada no interesse nacional.
Destas quatro partes em que está dividido o livro, apenas a segunda parte é constituída principalmente de artigos já publicados anteriormente no livro A Crise do Estado. E mesmo esses artigos sofreram modificações para se transformarem em verdadeiros capítulos.
A minha experiência no setor público, bem como o meu trabalho como professor de economia na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e minha experiência no setor privado foram essenciais para o desenvolvimento das idéias aqui apresentadas. A participação em debates sobre o Brasil e sobre a América Latina em muitos seminários e congressos nacionais e internacionais foi também muito importante. Tenho dívidas para com muitos amigos, mas eu gostaria de me referir a quatro economistas, Jeffrey Sachs, Roberto Frenkel, Rogério Werneck, e Yoshiaki Nakano (com quem escrevi os capítulos 7 e 13 deste livro), e a dois cientistas políticos, Adam Przeworski e José Maria Maravall. A eles eu devo muitíssimo. Devo também agradecer a meus tradutores, Martha Jalkauska e Ricardo Ribeiro. O segundo foi, inclusive, o responsável pela primeira revisão e pela atualização de dados.