Fabio Wanderley Reis
Valor, 12.5.2008.
A questão nacional é a questão social.
A propósito do lançamento do novo número (62) de sua revista Estudos Avançados, dedicado ao tema “Nação/nacionalismo”, o Instituto de Estudos Avançados da USP promoveu debate, no último dia 8, sob o título de “Política externa do Brasil”. O evento contou com a presença do embaixador Samuel Guimarães, secretário-geral do Itamaraty, e participamos também o ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira e eu mesmo, como autores de textos incorporados ao número, e as jornalistas Laura Greenhalgh e Eliane Cantanhêde.
Embora a política externa do governo brasileiro tenha sido o foco principal da apresentação de Samuel Guimarães e propiciado alguns dos temas conjunturais debatidos, é natural que o desafio intelectual maior surja em termos de como articular a conjuntura, especialmente em seus complexos traços globais, com a questão nacional a que se dirigem os trabalhos da revista. Bresser-Pereira se empenhou na defesa de uma posição nacionalista afim à que tivemos há tempos no país com o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), em que a suposta convergência dos interesses de diferentes categorias da população em torno da liderança de uma burguesia nacional permitiria políticas não subservientes às idéias e interesses do “Norte” e o desenvolvimento econômico acelerado - sem que nos víssemos condenados aos radicalismos que têm marcado, historicamente, a face autoritária e mais negativa de variados nacionalismos.
Minha própria posição é mais sensível a essa face. Em perspectiva ampla, não há como deixar de apontar o nacionalismo como ingrediente inerente à afirmação do Estado nacional na época moderna, que se tornou universal no século 20, e o sentido libertário que essa afirmação adquire em muitos casos. A face negativa, porém, afim a entusiasmos coletivos patológicos, xenofóbicos e racistas e à sua exploração deliberada, reside em que a identificação com o país e com o “interesse nacional” tomado como sacrossanto (e legitimada em termos de um patriotismo que se pretende “idealista”) junta-se a um “realismo” relativamente ao plano internacional em que o Estado nacional tem de atuar, com freqüência visto como nada mais que o cenário de um áspero jogo de vale-tudo. E a própria disciplina acadêmica que se dedica ao estudo das relações internacionais, partilhando as limitações de tal perspectiva, se mostra incapaz de ir além das meras relações de poder e lidar com alguma eficácia com a questão de como construir instituições reguladoras (questão que, no âmbito nacional, é sempre um tema da ciência política, mesmo quando esta pretende fundar-se “realisticamente” nos interesses).