Luiz Carlos Bresser-Pereira
Nota no facebook, 13.3.2016
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Podemos interpretar de várias maneiras as grandes manifestações de ontem. Em primeiro lugar, a mais óbvia e justa: como sinal da indignação dos brasileiros com o grande escândalo em torno da Petrobrás que soma valores astronômicos, envolvendo políticos e empresas. Segundo, como a demanda do impeachment da presidente – uma demanda que é compreensível, porque seu partido, o PT, foi o que mais se envolveu na corrupção, mas preocupante, porque o impeachment da presidente sem se mostrar que estava envolvida na corrupção é uma violência contra a democracia. Terceiro, como a vitória de uma elite conservadora, que com seus intelectuais e sua imprensa, mostrou-se inconformada com o fato de o Brasil ser governado pela primeira vez na história por um partido de esquerda que fez acordos, mas não se deixou cooptar. Quarto, podemos interpretar as manifestações de ontem como uma vitória da direita determinada a reduzir os ganhos sociais que os pobres tiveram desde a transição democrática e principalmente nos últimos 13 anos. Quinto, como uma vitória do deputado Eduardo Cunha, que reúne de maneira exemplar as qualidades da direita e da corrupção. Sexto, uma derrota de uma esquerda que, no governo, logrou reduzir a desigualdade, mas foi vítima da corrupção e não soube garantir o desenvolvimento econômico.
A sétima interpretação, porém, é a que mais me preocupa. As manifestações de ontem foram a vitória da judicialização da política; foram especificamente a vitória da operação Mãos Limpas e do juiz, Sergio Moro, o herói de ontem. Originalmente, essa operação representou um grande avanço ao detectar o escândalo, processar os principais responsáveis, e condená-los. Mas neste ano ela se transformou em uma campanha pela moralização a qualquer preço que é incompatível com a democracia e a garantia dos direitos individuais. Através da escolha da data de mais um “vazamento” – o da delação de Delcídio Amaral – e do constrangimento policial do ex-presidente Lula para depor justificado em nota da sua “força-tarefa”, a operação Lava Jato fez renascer a campanha pelo impeachment, da qual se transformou na principal campeã. Nessa nota, a força-tarefa afirmou que Lula é “um dos principais beneficiários da corrupção” sem apresentar outra “evidência” senão a de um apartamento que não comprou e um sítio que equivocadamente utilizou, quando o escândalo envolveu quase 15 bilhões de reais. Ora, é incompatível com a democracia e os princípios do Direito o poder judiciário engajar-se em campanhas. Estes princípios nos dizem que o poder judiciário deve agir sine ira ac studio (sem ódio nem parcialidade), mas não é isto que estamos vendo hoje por parte do juiz e do conjunto de promotores engajados nessa campanha.
De Valquíria Silva (14.3.2016)
Caro Bresser,
Li sua análise sobre os movimentos ocorridos ontem e gostaria de me manifestar a respeito, conforme segue:
Os argumentos presentes na segunda e sexta interpretações, no total de 07 que você corretamente faz das manifestações de ontem, isto é, os que se referem às responsabilidades do Governo nesse processo, certamente contribuíram para enfraquecer o Estado e abriram espaço para o que vc cunhou como "judicialização" da política.
A direita e/ou a elite conservadora não teriam força para levar tanta gente para a rua, não fosse o elevado grau, verificado/ventilado/difundido a exaustão pelas mídias, da corrupção no país (como vc mesmo cita, na casa de bilhões, só na Petrobras! Isso sem contar o que poderá ainda vir a tona, se aprofundado, como a expansão das hidrelétricas, construção de angra 3 (esta, parcialmente, na lava jato), nas isenções ao setor automotivo, no perdão a empresas no CARF, para ficarmos apenas no que nos ronda como uma cumulonimbus), envolvendo grandes grupos empresariais e partidos políticos, onde o PT, infelizmente, no contexto atual tem se destacado como principal beneficiário!
Assim, se os governos do PT têm o mérito de ter contribuído para a inclusão social de expressivo contingente da população, ainda que pelo consumo, o que causa irritação na direita e na elite conservadora (como vc tb apresenta), há que se considerar que também são responsáveis (e, novamente, infelizmente), pela deterioração do quadro político que vivenciamos nesse momento e, consequentemente, pela surgimento da "judicialização" política. Este fato está na origem de suas interpretações primeira e sétima. Ou seja, as 07 não são estanques!
Outra questão que me chama a atenção, em tudo o que tenho lido sobre o momento atual e os movimentos nas ruas, e nesse caso, obviamente, já não me refiro mais ao seu texto, é o que me parece ser uma falta de compreensão entre os conceitos de sociedade civil e povo. Ao meu ver, quem foi às ruas no dia 13 e quem irá no próximo dia 18 faz parte da sociedade civil! O que resta, a grande massa, esta continua fora do processo, pois a inclusão promovida pelo PT não inseriu, realmente, essa camada da população no seleto grupo que constitui a sociedade civil brasileira! Isto ainda está para ser assegurado e apenas poderá ser feito pelo acesso aos serviços essenciais básicos com qualidade, que conferem a todos a igualdade de acesso à cidadania! Essa dívida social ainda permanece entre nós!
Valquíria
LCBP: Val, não poderia estar mais de acordo com seus comentários.