Luiz Carlos Bresser-Pereira
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Diante do horror representado pelo atentado terrorista em Nice, a pergunta que o Ocidente se recusa a fazer é qual é sua origem – se o terrorismo é uma reação contra a agressão que sofrem os países muçulmanos do Oriente Médio, ou se é uma mera expressão de uma irracionalidade fundamentalista de caráter religioso. A pergunta não é feita porque sua resposta já está dada. “Terrorismo é irracionalidade islâmica”.
Mas esta é a razão do Ocidente. Na verdade, o terrorismo é realizado contra os agressores ocidentais. “Mas foram mulheres e crianças as vítimas”, nos dizem. Sim, foram, mas os agredidos naturalmente não entendem o agressor em termos de pessoas; eles o entendem como sendo o Ocidente – o Império – e seus três principais países: os Estados Unidos, a França e o Reino Unido.
Não vejo um artigo da grande imprensa ocidental discutir essa questão. Mas hoje, na Folha, há uma entrevista do pai tunisiano de dois terroristas, Taher Harzi. O que ele nos diz é terrível por sua franqueza e por sua lógica: “Os americanos e os franceses foram matar muçulmanos na Síria e no Iraque, portanto, nós temos o direito de ir para o país deles. Quando ele bombardeiam a Síria e o Iraque, eles não poupam mulheres nem crianças. Fazemos o mesmo”.
A guerras recentes no Iraque, na Síria, na Líbia são apenas as últimas violências que o Ocidente pratica no Oriente Médio. Esta violência data do fim da Primeira Guerra Mundial, quando franceses e britânicos dividiram o Oriente Médio de acordo com seus interesses, e ela ganhou força quando, depois da Segunda Guerra Mundial, esses povos resolveram que têm direito à independência. Desde então os governos dos países do Oriente Médio que defendem um modesto nacionalismo econômico e procuram definir um projeto nacional de desenvolvimento são esmagados pelos três países. A reação igualmente irracional é o terrorismo.
O que o Ocidente não compreende é que pensar o mundo em termos de geopolítica – ou seja, em termos de guerras – não faz mais sentido. O colonialismo e as guerras coloniais nunca tiveram legitimidade do ponto de vista humanitário, mas até a Segunda Guerra Mundial faziam sentido para os vencedores. Desde então, não mais. A guerra colonial é um desastre humano para os vencidos, e um desastre econômico para os vencedores: seus custos acabam sendo maiores que seus benefícios. E nos últimos 20 anos, vem se transformando também em um desastre humano para os vencedores, cujos cidadãos são massacrados.
Quando a razão afinal vai prevalecer nas relações entre os povos?