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Dependência nossa, imperialismo deles

Luiz Carlos Bresser-Pereira

Nota no Facebook, 20.11.2018

The relation between the imperialism of the powerful and the dependency of the weak countries, and their dependent elites, as is the case of Brazil.




Neste Dia da Consciência Negra (20 de novembro) quero fazer minha homenagem aos negros brasileiros apresentando minha visão do imperialismo moderno, que se realiza através de sansões econômicas e hegemonia ideológica – com a conivência de nossas elites periféricas dependentes. Minha visão da dominação moderna, neoliberal, que tem como principais prejudicados no Brasil seu povo negro.

O imperialismo moderno – dos países ricos ou industriais – sobre os demais países ou sociedades pré-capitalistas passou por fases desde que foi inaugurado pelo Reino Unido e pela França em meados do século XIX. Só então, depois de haverem realizado sua revolução industrial e capitalista, esses países tiveram forças suficientes para dominar os impérios tradicionais da Ásia e da África e reduzi-las à condição de colônia, na Índia, por exemplo, ou de quase-colônia, na China. Antes disso, no século XVI, Espanha e Portugal, no quadro do mercantilismo, precisaram de menor poderio econômico e militar para conquistar as sociedades primitivas ou pouco desenvolvidas da América Latina.

No século XIX, essas sociedades aproveitaram-se do enfraquecimento de Espanha e Portugal, derrotados por Napoleão, e do apoio estratégico do Reino Unido para se tornarem independentes no plano político, deixando de ser colônias para serem países dependentes dos impérios industriais de então – Reino Unido, França, Bélgica, Holanda e Estados Unidos. A partir daí, o poder imperial se concentra nesses países, enquanto os povos dominados são ou países periféricos dependentes, na América Latina, ou são colônias, na Ásia e na África. Após a Segunda Guerra Mundial, também estes últimos alcançam a independência, e agora (colocando de lado a União Soviética e seu império “socialista”) temos apenas duas condições – os países ou são imperiais modernos, ou são países periféricos – os primeiros agora liderados pelos Estados Unidos, organizados militarmente na NATO, e organizados politicamente no G7 e em três organizações “multilaterais”: no Banco Mundial, no FMI, e na OMC – Organização Mundial do Comércio.

Enquanto a dominação colonial era exercida pela força, a dominação moderna – sobre os países dependentes – é econômica e ideológica. A dominação econômica é exercida através da exportação de capitais, das três organizações multilaterais e da ameaça e do uso de sansões econômicas impostas pelos Estados Unidos. A hegemonia ideológica, por sua vez, é realizada pela redução das elites nos países periféricos à condição de elites dependentes, para, através delas, atingir o povo.

Na medida em que o país periférico se desenvolve a importância da dominação econômica diminui enquanto aumenta a da dominação ideológica que se exerce através de diversos aparelhos de dominação: as universidades, as grandes empresas multinacionais, os think tanks, a imprensa, o cinema, etc. A hegemonia ideológica conta com algumas ideias centrais:

• Os interesses dos países em desenvolvimento e dos países centrais são antes de cooperação do que de competição e dominação.

• No mundo global, a aliança natural das elites nos países periféricos é com as elites dos países centrais, não com seu próprio povo.

• Deficits em conta-corrente são benéficos para os países periféricos porque, através deles, a poupança externa (vinda através de empréstimos e de investimentos diretos) se soma à poupança interna, a taxa de investimento aumenta e o país realiza o catching up.

• A ideologia do liberalismo econômico.

Mas essa forma de dominação só é bem-sucedida quando ela conta com elites dependentes na periferia do capitalismo. O que nem sempre é verdade. Não foi verdade em alguns momentos na história de países da América Latina, nos momentos em que uma estratégia desenvolvimentista de industrialização foi adotada com êxito, nem foi verdade nos países do Leste da Ásia (Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Singapura e China) que foram os únicos a realizarem o catching up a partir do século XX. As elites desses países foram independentes.

No Brasil houve momentos em que nossas elites apoiaram governos desenvolvimentistas independentes e foram, assim, capazes de realizar políticas econômicas autônomas. Isto aconteceu nos governos de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, nos governos militares entre 1969 e 1979 – isto explicando porque entre 1930 e 1980 o Brasil apenas cresceu menos do que o Japão; realizou um extraordinário catching up. Aconteceu, também, no governo Lula mas este governo afinal fracassou em resolver a quase-estagnação da economia brasileira que acontece desde 1980, sendo o regime de política econômica liberal desde 1990.

A última tentativa de se adotar uma estratégia desenvolvimentista de industrialização foi no governo Dilma, que, afinal, fracassou. Este fracasso levou a nação brasileira, pela primeira vez, a ser dominada pelo ódio das elites, que primeiro se expressou na Copa do Mundo de 2014.

Esse ódio acabou resultando na chegada ao poder de um político populista de centro-direita, Michel Temer, que, vendo estarem as elites dependentes brasileiras dominadas pelo liberalismo econômico, fez uma profissão de fé liberal formal (“Uma Ponte para o Futuro”) e obteve o apoio esperado. O resultado foi um mau governo. A mesma estratégia apoiada no ódio de classe foi adotada por outro candidato populista, este de extrema-direita, Jair Bolsonaro.

Durante a campanha, em 9 de outubro, Bolsonaro, em contradição com sua repetida decisão de se subordinar aos Estados Unidos, declarou que “a China não compra no Brasil. A China está comprando o Brasil”. De fato, o Brasil está sendo vendido. Nossas empresas e nossas terras há tempo vêm sendo compradas pelos países ricos, e nestes últimos anos, pela China com seus grandes superávits em conta-corrente. Vem sendo comprado com o apoio de nossas elites dependentes liberais e com a indignação de nossos intelectuais nacionalistas econômicos que não sabem que os déficits em conta-corrente em que incide o Brasil não resultam em poupança externa para aumentar os investimento, mas para aumentar o consumo e o Brasil ser vendido todos os dias.

O resultado do governo Bolsonaro é incerto. É certo, porém, que o Brasil não recuperará sua autonomia nacional, não mudará sua política de juros e sua política cambial, não retomará o desenvolvimento econômico, a desigualdade aumentará, a violência contra os direitos humanos crescerá, e, dessa maneira, a qualidade da democracia, que já não era alta, tornar-se-á pior.