Rosa Freire d'Aguiar
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Viúva de Celso Furtado faz importante depoimento sobre Lula.
"Tristeza imensa ao pensar em Lula encarcerado. Pelo simbolismo que envolve a prisão de um líder de tamanha popularidade e carisma, e que conhece como poucos o povo de seu país. Pelo fato de se somar, ao que ele tem enfrentado, a ausência de Marisa Leticia, falecida há pouco mais de um ano (é lento o trabalho do luto). Pela surpresa do tratamento tão parcial que recebeu de togas mais ou menos supremas. Pela certeza de que os ódios inoculados em parte da sociedade foram, propositadamente ou não, movidos pela sanha de afastá-lo da disputa presidencial.
Foram bons os encontros com Lula. Na França, quando ele era o sindicalista em ascensão admirado por seus pares europeus, e ainda viajava na companhia de um sociólogo então petista e depois trânsfuga rumo ao tucanato. No Rio, às vésperas da eleição presidencial de 89, quando se imaginava que Brizola é que iria para o segundo turno mas Lula foi o sufragado para a disputa com Collor. Nesse dia, Lula e Brizola vieram juntos — uma leve animosidade no ar, mas noblesse oblige. No Rio de novo, em 2002, quando Lula, eleito presidente dez dias antes, passou toda a manhã mais ouvindo que falando o que Celso lhe dizia sobre globalização, mercado interno, Alca, FMI. Em Fortaleza, no ano seguinte, quando depois de uma cerimônia de refundação da Sudene (uma oportunidade perdida), a conversa sobre Nordeste, seca, miséria, fluiu como aquelas águas do S. Francisco que anos depois iriam ser transpostas. Em Brasília, nos idos de 2010 — a última vez que o vi — na entrega da primeira edição do Prêmio Celso Furtado de Desenvolvimento Regional. De todos esses encontros ficou a certeza de que Lula, uma combinação rara de inteligência e autenticidade, funcionava movido por doses equivalentes de razão e coração. Felizmente. Celso tinha grande simpatia pelo Lula, embora ciente de que sua margem de manobra era muito pequena para tocar um projeto nacional capaz de arrancar o país do subdesenvolvimento. Tendo a supor que, hoje, e ao contrário dos que comemoraram com foguetório o fim de um capítulo, ele pensaria que a prisão do “estadista que transformou o Brasil” (apud NYT de hoje) é o início de um novo enredo, que pode ser muito mais incerto e arriscado, mas que vale a pena enfrentar."